Cidades

33% das cidades de Mato Grosso não controlam medicamentos

Dona Maria saiu do posto de saúde com uma receita que deveria ser atendida pela unidade. O fornecimento de medicamentos é intermitente e leva prazo de uma semana para a disponibilização. A falha torna os serviços da rede pública de saúde mais complicados do que o habitual e o problema, em parte, tem início dentro de prefeituras. Mais de quarenta munícipios de Mato Grosso não possuem nenhum tipo de controle sobre a circulação de medicamentos, ingerência que leva a compras com sobrepreço, vencimento de produtos e, na ponta, a falta de medicamentos nas unidades de saúde por desconhecimento do estoque. 

A avaliação faz parte de levantamento que vem sendo realizado pelo Tribunal de Contas do Estado (TCE) desde 2014 sobre o controle de gestores públicos. De 127 municípios fiscalizados até agora, 41 (32,3%) não têm nenhum tipo de controle que informe a situação sobre a quantidade de medicamentos comprada, da existente em estoque e distribuída ou de acompanhamento de validade dos produtos. O setor funciona às cegas.

Em vinte e dois municípios (17,3%), a instalação de um programa para a gestão de medicamentos ainda está em desenvolvimento e/ou existe com eficácia nula; em 29 (22,8%), o sistema existe, mas tem validade de eficácia pífia. Cuiabá e Várzea Grande aparecem na lista das cidades com resultado abaixo da média de controle.

Apenas trinta e cinco dos 127 municípios (27,6%) que entraram na pesquisa têm qualidade eficiente no controle de medicamentos.

A avaliação é composta por 24 controles administrativos considerados essenciais para o funcionamento da logística do setor de medicamentos. Os números mostram resultado grave, com deficiência em critérios elementares: 49% das prefeituras não possuem nenhum controle da logística de medicamentos; 63,8% ainda não têm uma relação de medicamentos essenciais; e 47% dos municípios não fazem nenhum controle da validade dos remédios. 

Conforme o auditor na pesquisa, Gabriel Liberato Lopes, a alta deficiência no controle de logística de medicamentos não se atém a municípios pequenos e afastados de grandes centros urbanos. Segundo ele, o cenário ruim é mais influenciado pela inércia de gestores públicos do que por falta de ferramentas para utilização.

“É claro que existe a questão de pessoal, de recursos para trabalhar, mas isso é secundário na comparação com a falta de preparo e inércia dos gestores públicos em implantar um modelo de controle. Nós informamos a eles que existe um programa gratuito eficaz na logística de medicamentos para ser utilizado por gestores públicos. Mas não sabemos por que não usam. Há outro problema sério que é a falta de técnica de pessoal para lidar com a situação, e o TCE visa justamente realizar esses trabalhos de capacitação”, explica.

O TCE classificou os municípios por níveis de maturidade da gestão pública no controle de medicamentos. São cinco etapas de avaliação que medem o controle da gestão pública conforme os tipos de serviços englobados do setor de medicamentos – planejamento de assistência farmacêutica; seleção de medicamentos; programação de compras; aquisição (licitação e contrato); dispensação; e segregação de funções.

Apenas 1,7% dos municípios avaliados estão na fase de maior qualidade das atividades, possuem hierarquia de serviços que possibilita o controle de logística.  A maioria das cidades (57,48%) está em posição intermediária, na qual a satisfação de eficiência oscila entre 40% e 70%.  Na segunda maior fatia (31,50%), os municípios estão em um nível inferior, o básico, no qual a qualidade não passa de 40%.

Os municípios que apresentaram aprimoramento nas atividades desde o início da pesquisa, em 2014, equivalem a somente 7,87%. Outros 1,7% ainda estão na fase inicial.

Grande Cuiabá tem serviços falhos em critérios básicos

Cuiabá e Várzea Grande estão entre as cidades com baixa eficiência no controle de medicamentos. A capital foi classificada na pesquisa com nível de maturidade em 61,11%, mas com problemas graves no ciclo básico de controle. O quadro está em situação intermediária. Conforme o TCE, o planejamento de assistência farmacêutica está em situação de “sem eficácia” na gestão de medicamentos. A pontuação dada à fase foi 1, representando 33% de eficiência.

A prefeitura respondeu, por exemplo, não ter controle de demanda reprimida; não há ponderação sobre o tamanho da demanda de pacientes que não foram atendidos por falta de medicamentos na rede pública. Também não há controle sobre medicamentos adquiridos por falta de decisões externas ao Executivo, como as tomadas pelo Tribunal de Justiça.

O serviço também teve baixa eficiência no ciclo 3 de atividades, em que é avaliada a programação de compras de medicamentos. A prefeitura informou que “a programação é realizada, mas é incompatível com a demanda”.

Nos trabalhos de licitação e compra, os serviços apresentaram bons resultados nos quesitos de padronização de nomenclaturas e unidades na descrição de medicamentos e no controle de certames abertos de chamamento e aquisição. Porém, em outros seis itens o quadro é pouco eficiente; por exemplo, os critérios para pesquisa de preço, análise dos documentos de habilitação das concorrentes e conhecimento sobre o tempo gasto para finalização e entrega dos medicamentos. Todos os serviços possuem algum controle, mas com falha de planejamento.

O TCE também identificou falhas no processo de armazenagem e distribuição. Os oito quesitos avaliados neste ciclo estão com falhas ou sem eficácia. São apontadas necessidades de aprimoramento na conservação de medicamentos em estoque, no controle de medicamentos vencidos, nos inventários diários de almoxarifado e UBS (Unidade Básica de Saúde) e no controle de saída de medicamentos do almoxarifado para as unidades de saúde.

Em Várzea Grande a situação é mais precária. O município foi avaliado com nível de maturidade de apenas 38,39%, abaixo da eficácia básica de controle. A pesquisa do TCE aponta que não existe nenhum tipo de planejamento de assistência farmacêutica. O setor tem situação ruim até mesmo na disponibilidade de relação de medicamentos que circulam pela rede pública.

A programação de compras está em fase de desenvolvimento e o modelo existente não tem eficácia de controle. Também não possui controle na armazenagem e conservação dos medicamentos. Esse serviço também está em fase de desenvolvimento e sem eficácia do modelo em uso.

Nenhuma unidade de saúde tem sistema de controle na capital

Em Cuiabá, existe controle informatizado somente no Centro de Insumos e Distribuição de Medicamentos. As mais de cem unidades de saúde pública tentam fazer algum tipo de controle de suas farmácias com acompanhamentos informais que vão de listas manuais a mensagens trocadas por e-mail com a central, em intervalos periódicos.

A coordenadora do Centro de Insumos e Distribuição de Medicamentos, Ana Paula Barbosa de Macedo, diz que a falta de comunicação formal com as unidades de saúde dificulta o trabalho de controle de estoque.

“A dispensação de medicamentos é realizada de maneiras diferentes, conforme a classificação das unidades de saúde. Para a atenção básica, há distribuição a cada 15 dias; para a secundária, semanalmente; e para terciária, de duas a três vezes por semana”, explica.

O controle ocorre corretamente, no entanto, apenas nas unidades secundária e terciária, onde há farmacêuticos lotados para o controle de medicamentos. Na atenção básica, setor com maior demanda, os serviços são realizados em revezamento por técnicos e enfermeiros, que agregam à rotina de trabalho e verificação da farmácia.

“Existem farmacêuticos nas unidades secundária e terciária porque são etapas do atendimento em que são receitados medicamentos psicotrópicos, ou seja, não liberado por qualquer um. Precisam de controle rigoroso. Mas na atenção básica os medicamentos não têm restrição pesada e por isso não é judicialmente obrigatório haver um profissional específico para a área. Mas isso não quer dizer que não precise”, explica.

Segundo a farmacêutica responsável pelo trabalho técnico do Centro, Marinella de Almeida Souza, os medicamentos de atenção básica são a grande maioria do estoque e o que possui maior demanda. “Os medicamentos psicotrópicos são até armazenados de forma diferenciada, em local dentro do padrão do Ministério da Saúde; a maior parte do estoque corresponde aos medicamentos de atenção básica”.

A coordenadora disse que a implementação de controle sistematizado de comunicação com as UBSs está em fase licitatória há quatro meses, mas não há data exata para a conclusão e instalação do sistema. O Centro existe desde 2014.

A prefeitura de Várzea Grande respondeu por meio de nota de assessoria que o controle de medicamentos é hoje realizado por meio do Centro Armazenador e Distribuidor de Medicamentos de Várzea Grande (Cadim) que entrou em operação há cerca de um ano. O sistema funciona como mecanismo de gerenciamento de almoxarifado e teria feito “avançado significativo” no controle de medicamentos.

“Este sistema fiscaliza todas as entradas e saídas de medicamentos; estoque máximo e mínimo para a realização de compras futuras; controle de validade dos medicamentos para promover a integração com outras secretarias municipais para futura e eventual troca evitando assim perdas de validade e prejuízos, além de controlar também o valor dos produtos adquiridos pelo poder público municipal”.

A prefeitura não informou se existe comunicação entre o centro de controle e as unidades de saúde.

Dez pequenas cidades lideram eficácia de controle

Apenas dez cidades de Mato Grosso têm hoje nível satisfatório de controle medicamentos. Ipiranga do Norte (470 km de Cuiabá) aparece em primeiro lugar com nível de maturidade administrativa em 94,44%.

Conforme o TCE, o município tem fiscalização adequada na maioria dos ciclos de desenvolvimento de gestão, que vão de planejamento de assistência farmacêutica a segregação de funções no setor de medicamentos.  Há controle, por exemplo, da margem da demanda reprimida, que é incorporada no planejamento de compras da prefeitura, juntamente com um perfil epidemiológico do medicamento.

Tapurah (445 km de Cuiabá) é outra referência apontada na pesquisa. O município tem avaliação de maturidade de gestão em 91,67%. A listagem de compra de medicamentos, segundo o TCE, é elaborada com base em um histórico de consumo,  perfil epidemiológico e demanda reprimida.

Lucas do Rio Verde (344 km de Cuiabá) fecha o ranking dos três municípios mais bem avaliados, com nível de maturidade de 84,72%. A cidade também tem controle satisfatório nos serviços de compra de medicamentos, conservação e no acompanhamento do processo licitatório.

A lista também é composta por Araguaiana (84,72%); São José do Povo (83,33%); Apiacas (79,17%); Sorriso (79,17%); Itauba (77,78%); Santa Carmen (77,78%) e Vila Rica (76,39%).

Gestores têm até 2021 para adequar setor

Conforme o auditor Gabriel Liberato Lopes, os municípios terão até 2021 para implantação e execução, em nível satisfatório, a resolução normativa estipulada pelo Tribunal de Contas do Estado. Segundo ele, os itens controladores foram criados a partir de referência em boa prática de gestão pública, o que referenda aplicação nos 127 municípios pesquisados.

“A gente capacita todo o corpo técnico da prefeitura. O programa começou com pessoal de controladoria dos municípios e estendeu para os demais servidores- farmacêuticos, pessoal fr elaboração do Renume (lista de medicamentos de aquisição pelo Poder Público). Hoje, já realizamos capacitação em Barra do Garças, Lucas do Rio Verde, Sinop e Alta Floresta”.

O auditor afirma que o levantamento possibilita ao gestor a identificação do quadro de logística de medicamento em seu município e o desenvolvimento de trabalhos para aprimoramento das áreas mais deficientes.

“Muitos problemas decorrem da falta de capacitação técnica. O corpo do município não tinha conhecimento de medidas de controle, orientação para desenvolver uma medida de qualidade de trabalho. Mas decorrem também da inércia do gestor em controlar o trabalho”.

Disse ainda que a falta de controle não tem relação com o volume de recursos disponível para o município. “A necessidade de controle existe independente dos recursos. A maior parte dos trabalhos não demanda recurso, necessita de um plano para alcançar o controle da situação.”

Reinaldo Fernandes

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