O número 300 das crônicas de Terra Brasilis saúda a poesia. Saúda a poesia de Neneto. Primeiro conheci Irmar; depois Neneto. O primeiro, no ambiente de trabalho; o segundo, no dia a dia da Funai, quando passamos a nos conhecer melhor. Antes disso, reinava, é certo, em mão dupla, um clima de desconfiança entre os antigos e os novos. Mas o desejo de levar o bem-estar aos índios foi apagando a linha que dividia os dois campos, deixando-a tênue, quase invisível.
Os dias andaram e a poesia de Neneto, àquela época, soava pela Praça Santos Dumont, como em tantas outras de outros poetas, de outras poetas. Havia no ar uma semeadura de poemas em campos férteis de vontade de arte. Tempos em que repetidamente se recitava poesia por onde andavam pessoas. E lá estávamos nós a ouvir poesia ao ar livre. Esse clima reascendeu em minha mãe, em visita a Cuiabá, sensações dos tempos ginasiais. Neneto a conheceu e a convidou a fazer parte do movimento. Ainda que não tenha recitado nas praças seus poemas guardados em caixinhas esparramadas em memórias esparsas, foi em família que imensos poemas nos deixaram vívidos.
E com Neneto, não mais com Irmar, a arte enlaça-se aos encontros casuais. Andarilho como ele só, em sua mochila transporta poesia para dar de presente a quem cruzar suas passadas. Une poesia à consciência ecológica. O porta-trecos, como ele chama, veste-se invariavelmente de três versos. De sua mochila saem pincéis e tintas que dão cores e formas aos tercetos do N na lata que arderia em chamas dos lixões se não fosse a sua poesia. Latinhas ganham destino inimaginável com terceto do N. Para os que não têm pressa e se sentam para ouvi-lo, uma grande quantidade de tercetos dispostos em um catálogo é oferecida ao convidado. N de Neneto. E o último verso, sempre iniciado com N, a letra de Neneto.