Ao nos depararmos com o processo administrativo do município, muitos ainda se questionam sobre o papel de cada ente público, divididos entre poderes Judiciário, Executivo e Legislativo. O problema se agrava quando nem mesmo os próprios membros dessas instituições conseguem atuar dentro de suas atribuições.
O fato acontece repetidas vezes nas Câmaras Municipais dos munícipios, onde os vereadores são escolhidos como representantes da população, mas acabam se desviando do seu principal papel que é fiscalizar e legislar em áreas que lhes cabem.
Na própria Câmara cuiabana, ao constatarmos que cerca de 24% dos projetos de lei apresentados pelos 25 parlamentares, no ano de 2014, foram rejeitados pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), por serem ilegais ou inconstitucionais, mantemos a questão: “Até onde vai o papel do vereador municipal?” e “os próprios parlamentares sabem o real papel de um vereador, e suas atribuições?”.
Considerando os números, a nova legislatura municipal apresentou, em 2013, nada menos que 451 projetos, destes 115 foram rejeitados pela CCJ, o que corresponde a 25,5% do total. Em 2014, até o mês de outubro, foram cerca de 110 projetos rejeitados, dos 480 analisados pela comissão.
Nem sempre por má-fé, nem tanto por oportunismo, mas ao tentar atender às reivindicações dos eleitores que os elegeram, os vereadores acabam criando leis que agradam a opinião popular, mas fogem da legislação. Desta maneira, a eficiência da Casa de Leis acaba escorrendo pelo ralo.
A grande porcentagem de rejeição de projetos deve-se ao fato de eles acabarem sendo classificados como inconstitucionais – por ferir a Constituição Federal – ou ilegais – por ir contra as leis nacionais já existentes.
O quadro também mostra certa inexperiência entre os vereadores. A maioria exercendo primeiro mandato acaba elaborando projetos que fogem da alçada do Legislativo municipal, como, por exemplo, criando leis que oneram o município.
Se comparados aos “poderes” federais e estaduais, o espaço para atuação do vereador acaba restrito, constatação que talvez explique a quantidade de projetos envolvendo nomeação de ruas e entregas de títulos a cidadãos.
“Isso é o que mais tem prejudicado o trabalho do Legislativo. São 18 vereadores novos que têm muita vontade de trabalhar, com boas ideias, mas acabam esbarrando nessas restrições”, afirma o vereador Faissal Kalil (PSB), presidente da CCJ da Câmara de Cuiabá.
Em muitos casos, o parecer negativo emitido pela CCJ não é acatado pela maioria dos vereadores, que através do voto acabam aprovando o projeto e o enviando para a sanção do Executivo. Por fim, com a lei publicada, a imagem do Legislativo acaba caindo em descrédito, já que por serem inconstitucionais/ilegais elas acabam não sendo praticadas.
Em alguns exemplos elas chegam a ser contestadas judicialmente. Caso da Lei n° 5.814/2014, que regulamenta a forma de cobrança dos estacionamentos. A legislação foi contestada na justiça, sendo considerada inconstitucional. Os empresários da região central da capital, que não concordavam com a determinação de cobrança fracionada, continuam não exercendo a lei aprovada pelos parlamentares cuiabanos.
“Em termos práticos é ruim derrubar os pareceres da CCJ, porque ela (a lei) já entra no mundo jurídico com certa insegurança. Mas isso também não é uma regra, há várias leis que são constitucionais, mas a prefeitura não as cumpre”, afirmou Faissal.
Equipe parlamentar
Para combater o despreparo, ou falta de conhecimento sobre os temas que acabam tentando legislar, a saída mais eficaz seria a contratação de uma equipe técnica capaz de elaborar bons projetos, seguindo as determinações cabíveis de cada caso.
Essa é a visão de quem já participou de processos legislativos, como o escritor e advogado Sebastião Carlos Gomes de Carvalho, que já exerceu o cargo de procurador geral da Assembleia Legislativa de Mato Grosso (AL-MT).
Sebastião esclarece que da mesma forma realizada no Poder Executivo, no qual prefeitos e governadores se cercam de técnicos, responsáveis por analisar os diversos pontos sociais, os vereadores também necessitam do apoio de especialistas para “pensar” um projeto.
“O parlamentar, assim como o chefe do Executivo, tem que saber quem são seus assessores. Os vereadores não precisam ser especialistas em todas as áreas, mas se cercar de pessoas preparadas”, explicou.