Quem chega à cidade de Itinga (MG), no Vale do Jequitinhonha, se depara com uma estátua em concreto de um homem remando uma canoa, acompanhado de uma mulher com uma melancia no colo.
Poucos metros adiante, uma ponte atravessa o rio que dá nome à região. A obra de concreto armado leva ao centro da cidade, onde estão a Câmara Municipal e a sede da prefeitura.
A ponte é um dos principais motivos para a visita de Lula a Itinga nesta quarta-feira. Foi inaugurada no primeiro mandato do petista, em março de 2004. Antes disso, Lula esteve na cidade em janeiro de 2003, onze dias após tomar posse como presidente.
Nas três vezes anteriores, foi como candidato. Na primeira viagem oficial como presidente, o ex-metalúrgico se fez acompanhar de uma dezena de ministros. Queria dar um "banho de Brasil real" na nova equipe de governo.
Antes da ponte, a travessia era feita em canoa ou balsa (para carros de passeio). O monumento da entrada da cidade retrata um dos canoeiros mais antigos da região, conhecido como Seu Nilo, e a esposa dele, Martiliana. E a melancia? É que a feira da cidade ficava do outro lado do rio, explicam os moradores. Quando a ponte foi construída, a passagem custava R$ 1 (ou R$ 5 de balsa).
Caminhões precisavam dar a volta pelo município vizinho de Itaobim, onde já existia uma ponte, num desvio de cerca de 30 km.
Lula prometia a construção da ponte pelo menos desde 1993, quando esteve em Itinga pela primeira vez. A obra, com um custo de R$ 378 milhões (valores da época), foi bancada pela mineradora Vale do Rio Doce, a título de doação para a prefeitura. Uma empresa de cimento doou seis mil sacas do material.
"Deus no céu e Lula na Terra"
A ponte não representou só uma economia para os moradores. Possibilitou, por exemplo, o aumento da extração de granito, que hoje rende royalties para o município (R$ 804 mil no ano passado, segundo dados do Tesouro Nacional levantados pela Confederação Nacional dos Municípios, a CNM). Gerou empregos. Por isso, a maioria dos itinguenses divide a história recente do local em antes e depois da obra. E, por extensão, em antes e depois de Lula.
A reportagem da BBC perguntou para uma dúzia de moradores da região em quem eles pretendiam votar nas próximas eleições. Oito dos 12 mencionaram o petista. Uma militante do PCdoB em Itinga organizou uma vaquinha para imprimir camisetas com a foto do ex-presidente e os dizeres "Lula 2018".
Na casa de Maria da Luz de Jesus, de 85 anos, não há clareza ainda de se Lula será realmente candidato ou não.
"Deus ajude [que seja]", diz ela.
Todos ali votariam no petista, caso ele possa concorrer.
"Nem que eu tenha que pegar um carro eu largo meu voto no Lula. Ele foi o que mais fez pela gente, aqui", diz o marido dela, Joaquim Soares da Silva, de 87 anos.
Vera Lúcia Mendes, de 35, passou o período da gestão do petista fora da Itinga natal, na cidade de Amparo (SP). Morou no interior paulista de 2000 a 2013, e costumava se surpreender ao voltar para casa. Para ela, Itinga "saiu da idade da Pedra", nos governos Lula.
Apesar das mudanças, o Vale do Jequitinhonha continua sendo uma das regiões mais pobres do país. Porém, de fato, o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) de Itinga era de 0,440 em 2000 (baixo) e passou a 0,600 em 2010 (considerado médio). A expectativa de vida também cresceu: de 66 anos em 2000, para 72,8 no último censo do IBGE, em 2010.
A evolução na renda dos moradores também ajuda a explicar a popularidade de Lula na cidade. A renda, que era de R$ 125 mensais por domicílio, em média, em 2000, chegou a R$ 260 em 2010. O aumento de mais de 100% é expressivo, mas o nível ainda está distante da média do país (R$ 668 naquele ano).
O outro mito
Quando o assunto é eleição presidencial, o único outro político mencionado "espontaneamente" pelos moradores de Itinga, além de Lula, é o deputado federal Jair Bolsonaro (PSC-RJ).
Embora não possua reservas de nióbio, mineral sempre presente nos discursos de Bolsonaro, a região é produtora de lítio, outro mineral raro exportado hoje sem beneficiamento.
Marisangela Murta Chaves é secretária de Educação da prefeitura e secretária do PSDB no município. Mesmo assim, diz que, por enquanto, seu voto é para o ex-capitão do Exército. O deputado federal defende ideias mais próximas das suas, diz ela.
Questionada sobre os tucanos Geraldo Alckmin (governador de SP) e João Doria (prefeito da capital paulista), Marisangela diz não ter examinado ainda estas possibilidades. "Mas, quem sabe?", diz.
A primeira eleição de André Luiz Soares foi em 2006, quando Lula concorria à reeleição. Ele votou no petista. Mas foi o único voto dele no PT em eleições gerais.
"Na Dilma, já não votei. Em 2014, votei pra esse 'porqueira' do Aécio [Neves, do PSDB]. Agora, é Bolsonaro", diz o comerciante de 29 anos.
"A gente que mexe com comércio sofre muito com a bandidagem, com ladrão, e ele diz que vai repreender. E luta pela família, também. O homem de bem hoje não tem direito a mais nada", diz Soares, sentado no balcão da mercearia que leva seu nome.
Mas Soares não compra o discurso virulento de seu candidato contra o possível adversário petista.
"Eu não desmereço o Lula não. Não tenho nada contra ele. Vai dizer que ele não ajudou? Ajudou. Mas no meu caso é mais uma questão de opinião mesmo", diz.
Falta de água…
Itinga fica em uma região de transição entre o bioma do Cerrado e a Caatinga. Nesta época do ano, é muito difícil enxergar qualquer planta verde na paisagem, com exceção do cacto mandacaru, que pode chegar a até seis metros de altura. As chuvas, que deveriam aparecer no fim de outubro, ainda não vieram. Riachos e açudes secos são comuns na região.
Por isto, quando Lula chegar à cidade, ele reencontrará alguns problemas que deixou ao sair da presidência em 2010, e um que se agravou: a falta de água. Quem não tem reservatório próprio está desabastecido na cidade desde o início da semana.
A prefeitura de Itinga culpa a empresa Copanor (responsável pelo abastecimento de água no Vale do Jequitinhonha) pelo paradoxo: há água correndo no Rio Jequitinhonha, e nem uma gota na torneira dos moradores.
O Executivo municipal diz que a empresa prometeu, em 2016, bombear água do Jequitinhonha para a estação de tratamento local, o que nunca ocorreu. Nos últimos anos, o riacho que abastece a cidade costuma reduzir ainda mais de tamanho durante a seca, agravando o problema. A Copanor não foi localizada para comentar.
… E miséria
A cidade foi também uma das primeiras do Jequitinhonha a eleger um prefeito petista (Solano de Barros, em 1992), que chamou a atenção de Lula para a região. Antes mesmo disso, o local já era alvo de medidas de política social, para tentar atenuar a pobreza.
No governo de Fernando Henrique Cardoso (1995-2003), a cidade foi uma das primeiras a receber o Bolsa-escola, programa embrionário do Bolsa-família de Lula. Antes disso, eram frequentes as chamadas "frentes de trabalho", em que a pessoa recebia dinheiro em troca de uma jornada de serviços braçais para o município.
Mesmo assim, ainda há miséria na área do município, principalmente em distritos e povoados fora da mancha urbana principal, admite o secretário de Governo da prefeitura, Marcos Elias Marcos Neto.
A região central de Itinga é praticamente toda calçada e as casas são de alvenaria, embora algumas estejam em mau estado. Mas basta andar um pouco para ver ruas de terra e habitações em condições precárias.
Há ainda em Itinga casas sem banheiro próprio, por exemplo, embora elas sejam hoje minoria (em 2010, eram 16,8% das residências).
Os dados disponíveis são antigos (2010), mas mostram que, pelo menos até aquele ano, a pobreza estava diminuindo em Itinga. Em 2000, eram considerados pobres pelo IBGE 71,3% da população. Em 2010, este número tinha caído para 39%.