Opinião

Ivens Cuiabano Scaff índio

Originalmente, escrevi esta crônica para a semana de 13 a 19.09.2012. À época, na condição de articulista do jornal Circuito Mato Grosso, me responsabilizei por trazer tão somente textos literários que contemplassem a temática indígena. Selecionei ‘Kyvaverá’, escrito por Ivens Cuiabano Scaff e ilustrado por Jonas Barros, uma publicação da Entrelinhas Editora. Foi minha 17ª crônica. Hoje, ‘Ivens Cuiabano Scaff Índio’ reaparece como um manifesto de despedida.

Acabo de ler o livro ‘Kyvaverá’, de Ivens Cuiabano Scaff, um presente de Aline Maira Batistella. Na roda viva da vida, parar tudo para ler um livro de poesias vem se tornando algo imprescindível. Foi deitada na rede tecida com seda de buriti pelas mãos da mulherada Kurâ-Bakairi, que quando armada toma forma de canoa, que as páginas de “Kyvaverá” conduziram-me pelos “rios que correm na vida lenta que se inventa” a cada espaço infinito entre uma linha e outra. Ao ruído ritmado do vai e vem do balangar da rede, quase entorpecida, a oportunidade de ser levada pelas possibilidades de experimentar maneiras diferentes de estar no mundo, torná-lo mais habitável. 

A ‘Fábula do Quase-frito’, um conto infantil, foi meu primeiro encontro com o ‘menino-verseiro’ do Porto que virou médico, escritor, professor e poeta. O personagem Quase-frito vive no cenário predileto de Ivens e, de início, ao ser atingido pelo fogo das queimadas não consegue mais reconhecer sua espécie. A narrativa sugere uma reflexão de ordem valorativa, com a intervenção da ave que, ao final, é capaz de saber sua identidade.

‘Kyvaverá’ une Jonas Barros e Ivens Scaff: um com o pincel outro com a caneta. Em reciprocidade, imagem e escrita misturam-se em poemas e formam uma prosa quase ingênua, mas alerta, do rio Cuiabá, o Kyvaverá, que o ‘branco não sabia pronunciar’, que ora parece morto, ora moribundo, ora vivo. Depois que índios e lontras não mais existem, as águas turvas trazem em “Sonho cuiabano” os indígenas Boe-Bororo e Guaná. Prossegue pelos versos de ‘Étnico’ que estampam suas caras diluídas nas tantas mil caras cuiabanas que o turista, em city tour, exclamou estarrecido: ‘My God, it’s full of indians’. ‘Origem’ adocica Kyvaverá e vira Cuiabá. Em ‘Quarup’, observa as águas do rio que empurram troncos onde estão depositadas suas mágoas. ‘Índio’ ressurge vestido ‘de baía, até o pescoço de manto matizado de retalhos de tepidez diversa encaro o Sol. Narciso que se chega poente a sua própria imagem rubra’.

Enquanto isso, o ‘menino-verseiro’ do Porto também foi virando índio…

Anna Maria Ribeiro Costa

About Author

Anna é doutora em História, etnógrafa e filatelista e semanalmente escreve a coluna Terra Brasilis no Circuito Mato Grosso.

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